Venho refletindo sobre a crise política ao longo dos anos, mas há tempos incomodado com o funcionamento do sistema político, social e econômico do Brasil. Este texto que aqui compartilho se trata de uma espécie de prefácio de uma proposta de filosofa política pós-moderna que possa contribuir com os debates para uma futura e talvez distante superação da crise que atravessaremos neste e nos próximos anos. Embora apenas prefaciando, no sentido de algo que está em construção e sem pretensões de finalização, não se trata portanto de uma proposta fechada, pelo contrário. Trata-se de uma proposta aberta a contribuições, visando pensarmos juntos o que poderia ser planejado pelo Brasil para os próximos anos e décadas. Talvez a criação de uma wiki seja a melhor forma de tornar esta escrita mais ampliada, cujo link compartilharei ao final deste texto, mas certamente futuras conversas presenciais face a face seriam mais calorosos e quem sabe pudessem dar ainda mais vivacidade a estes ideais de vida social, política e econômica que acredito e que compartilho para autocrítica.
Bem, tenho a sensação de que o ser humano que se sente de classe média devido uma pequena ascensão social ocorrida nos últimos tempos, mas que pertence na verdade ao que chamarei de classe popular, parece estar em decadência em sua percepção de mundo e sociedade. Decai em aceitar a perda da propriedade de produtos, sendo transposto de forma subserviente à condição de mero assinante de serviços. Decai em abrir mão da obtenção de propriedades e produtos modestos pelo endividamento insustentável de curto, médio e longo prazo. Decai na inautenticidade do utilitarismo onde o outro só é relevante se for (re) utilizável. Decai ainda no questionamento sobre quando ocorrerá a próxima prática consumista ao invés do próximo encontro comunitário para busca de soluções para a sustentabilidade de seu bairro, de sua comunidade. Decai ainda no consumo consumista, ignorando que recursos são limitados, em detrimento da manutenção de melhores condições de saúde. Decai na suposta defesa da família cuja moral se esfacela em delegar sua melhoria de vida a incoerentes anti-heróis políticos. Decai ainda nas decisões em reuniões institucionais, onde não estabelece conexões entre aquilo que de fato apoia e deseja em termos sociais, com as repercussões de suas micro-decisões no aumento da criminalidade e violência social que, por efeito borboleta, em breve poderá atingir a si ou ao outro, como sua família e membros de sua comunidade. Decai no silenciamento ou submissão a um sistema de alta concentração de poder, que gera crescente desigualdade social, aceitando a mera condição de vassalo pela incapacidade de se conectar com um networking de novas ideias e práticas sociais libertárias. Decai também na submissão aos algoritmos fechados das mídias sociais e outras tecnologias de informação e comunicação, que buscam controlar e modular o funcionamento da atenção humana, que é uma das minas de ouro da sociedade pós-industrial. Todos estes aspectos, no entanto, não estão relacionadas tão somente ao individual em si, mas também à ausência de políticas públicas direcionadas a resolver ou amenizar este modo de viver e seus respectivos efeitos.
Me parece que o estabelecimento de um modo de vida autêntico se mostra distante do horizonte existencial humano, que abdica continuamente da reivindicação da retomada de um novo estado de bem estar-social, e que já está parcialmente previsto na Constituição. Nos últimos tempos tenho me dedicado em meu ócio criativo ao intuito de refletir sobre o que creio ser uma proposta de filosofia política pós-moderna prática, que possa corresponder a uma resposta macro para o atual estado de coisas que não eleva a qualidade de vida dos cidadãos.
Adentrando na questão político-partidária, penso que o único partido de esquerda no Brasil, o PSTU, possui um claro programa de implantação do socialismo, mas me parece que é eleitoralmente frágil. Pela via eleitoral não sinto que tenha chances de pautar este debate, muito menos implementá-lo, e não demonstra ter força suficiente para apoiar um amplo movimento revolucionário como ocorreu em outros países. Neste contexto vejo que não há caminho para ruptura de sistema econômico, existindo um comodismo político em outras forças desse suposto espectro, que equivocadamente são igualmente consideradas de esquerda, com meras tentativas de atores e atrizes políticos tentando se acomodar em um modo de operação de mera retomada de erros de políticas públicas estruturais do passado ou, aliás, de ausência de sua implantação, e que seriam essenciais para a superação do problemático modelo econômico e social vigente.
Agora caminhando na direção contrária, tenho a sensação de que, naquilo que é chamado socialmente de direita, temos então o neoliberalismo, que está igualmente fragilizado, não gerando os mesmos resultados pretendidos pelo mercado financeiro no passado recente do Brasil e do mundo. Com a crise mundial, o apetite por empresas estrangeiras nas ofertas de privatizações, concessões e parcerias público-privado tendem a revelar dificuldades de execução, com o estado brasileiro apresentando dificuldade em ceder recursos que ofereçam reais garantias de considerável retorno financeiro. Já o conservadorismo, sem base em fatos e conhecimento científico, me parece que tem gerado apenas devaneios saudosistas, sem impactos na melhoria da qualidade de vida socioeconômica.
Inspirado no fato de que cada filosofia política tentou responder aos fatos problemáticos de sua época e que na atual conjuntura brasileira e mundial acredito que estejamos vivendo um período de crise aguda, embora a população ainda não a sinta, mas sem ânimo social pela construção de saídas radicais à esquerda e direita, vejo então uma certa demanda por um outro tipo de proposta política para superação deste período emergencial, que poderá perdurar por anos.
Como o estado de alienação tende a não ser superado pelo o que é entendido como soluções de direita e esquerda, permanecendo o clássico fisiologismo político nas relações humanas e a continuidade de uma mera tentativa de novamente atenuar os efeitos dos problemas estruturais da crise do modo de produção hegemônico, penso que será necessária um nova filosofia política para atravessar o período de crise sem grandes rupturas, sendo que este está prestes a se intensificar e cuja duração é indeterminada.
Chamarei provisoriamente esta filosofia política de Minimalismo Libertário Trabalhista (MiLiT), sendo passível de contínuas retificações, e com a intenção tão somente de provocar insights. Trata-se de uma proposta de pensamento político, com finalidade prática, que busca alinhar o exercício de uma nova condição de vida adaptada à nova realidade de vagaroso crescimento econômico, o que não significa que não possamos cuidar do desenvolvimento social. Neste ideal residiria um desejo de que se suplante o consumismo irracional em prol do consciente bem-estar social e progressivo crescimento econômico a partir de projetos de inovação sustentável com responsabilidade social. O minimalismo se refere à (re) utilização de materiais e peças de reposição que permita que se consertem, ampliem ou melhorem instalações e bens variados, bem como a viabilização de auto-serviços com autonomia e independência sociotécnica, gerando crescimento a partir das relações sociais com os pequenos empresários e profissionais liberais da comunidade. Já a liberdade de inovação disruptiva ou incremental seria incentivada na micropolítica do cotidiano, com apoio científico e financeiro para a implantação de negócios e projeto sociais inovadores, destinadas tanto aos pequenos empresários e profissionais liberais, quanto para os egressos de curso superiores e técnicos, pois estes possuem ideias inovadoras que necessitam de financiamento para experimentação social e em termos de negócios, mas com a devida responsabilidade social. Por fim, temos a motivação em defesa do trabalho, com investimentos que garantam serviços básicos essenciais e de qualidade à vida humana, garantindo a dignidade para os trabalhadores e suas famílias viverem seu dia a dia com estabilidade em termos de saúde física e emocional. Haverá especial atenção à educação para a vida, permeando várias atividades educativas presenciais e virtuais, que contribuam para a disseminação de fluxos de transformação contínua em uma perspectiva crítica e emancipatória.
O minimalismo cumpriria uma espécie de função moral, de cuidado de si e do cuidado junto ao outro, inspirando novos modos de organização mais simples da vida pessoal e profissional. O termo libertário está ligado aqui ao exercício da liberdade, mas com conexão comunitária, cooperativista, e não individualista. Por fim, o trabalhismo, em referência à defesa do trabalho como prática essencial à vida humana, atrelada à garantia de serviços públicos e privados de qualidade, que não pode ser desconstruída pela implementação de tecnologia sem responsabilidade social.
Continua. Juntos somos um S2